segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Se Deus existe porque é que a minha vida é tão difícil?

Esta pode ser uma pergunta que de vez em quando nos vem à cabeça. E que, à partida, parece fazer algum sentido. Mas é também uma pergunta que parece talvez assentar num pressuposto: que Deus devia tornar-nos a vida fácil... Ou pelo menos não permitir nunca que ela nos fosse difícil. Mas será que deveria ser exactamente assim?
É verdade que ‘fácil’ e ‘difícil’ são conceitos um pouco relativos, dependendo de quem os vive – ou da forma de como os vivemos. Mas é importante notar, antes de mais, que aquilo que nas nossas cabeças achamos que Deus ‘deveria’ ou ‘não deveria’ fazer está muito ligado à imagem que temos d'Ele. Pode de facto acontecer por vezes que a ideia que temos de Deus é a de Alguém que deveria pôr em prática os planos que temos nas nossas mentes (“seja feita a nossa vontade”). Quando isso acontece, não é então de admirar que, cedo ou tarde, tenhamos depois decepções ou desilusões com esse ‘deus’ criado por nós, à nossa imagem e semelhança.
E como conhecer, então, o Deus que existe verdadeiramente? Como saber o que Ele quer, quais os seus planos, a sua vontade? Para um cristão a resposta a esta pergunta é clara: na pessoa de Jesus podemos encontrar a revelação perfeita de Deus – tanto quanto seres humanos O podem compreender.
Desde o início até ao final da sua vida pública, vemos Jesus totalmente empenhado na “construção do Reino de Deus”. O que, por si só, é bem sinal de que o nosso mundo ainda não está acabado, de que a criação não terminou ainda (Jo 5,17). Ora num mundo inacabado, numa “obra-em-construção” (da qual também nós fazemos parte), é natural que haja desencontros, peças que não pareçam encaixar, aspectos que não pareçam fazer sentido... E é por isso natural poderem também por vezes surgir algumas dores de crescimento, ou dores de parto de uma realidade maior que está ainda para nascer (Rom 8,22; Mc 8,34-35).
Por outro lado, em Jesus vemos também como Ele convida, desafia, propõe... mas nunca Se impõe. E inclusivamente permite que sigamos outros caminhos, divergentes ou mesmo opostos aos seus caminhos. Se por vezes a vida é pesada ou difícil, é porque muitas vezes nós mesmos a tornamos difícil – uns aos outros e a nós próprios. Ou pelo menos não aliviamos as dificuldades dos outros, quando até o poderíamos fazer. O mal que fazemos – ou o bem que deixamos de fazer – é testemunho de como a liberdade humana é uma dimensão que tem de ser tida em conta, no processo de criação da realidade deste mundo.
E de facto uma das linhas mestras do nosso universo parece mesmo ser a sua dimensão de autonomia (a partir da qual a própria liberdade humana depois deriva). Para dar espaço a que outras realidades sejam, Deus parece então querer ocultar-Se, retirar-Se (Mt 21,33). Não que Deus abandone a sua criação: nunca o faz. Se o fizesse, o mundo simplesmente deixaria de ser. De algum modo, Deus está sempre presente, em nós e em tudo aquilo que nos rodeia, dando-lhe a existência. Mas ao mesmo tempo parece estar na vontade de Deus que o mundo se faça também a si mesmo, que a Natureza faça parte do processo da sua própria criação, ainda que muito venha a ser por tentativa-erro. E na Natureza, de uma forma muito especial, os seres humanos. O que não deixa de ser algo de paradoxal: nós, que ainda não estamos totalmente acabados, que ainda “não somos” propriamente (estamos entre a não-existência e a existência daquilo em que nos iremos transformar), participarmos apesar disso no processo de geração ou criação do nosso próprio ser.
Um pouco por tudo isto a realidade pode por vezes aparecer-nos como algo distorcida, tal como acontecia com os espelhos antigos (1ªCor 13,12). Ou um pouco como num sonho, ainda algo informe, confuso, indefinido... mas que, a pouco e pouco, irá assumindo contornos mais definidos. Então, ao longo desta caminhada onde nem tudo se vê claro, é a fé que nos pode guiar para aquilo que há-de ser, à imagem e semelhança de Jesus que nos convida a segui-Lo dizendo: “vem... e então verás” (Gen 1,26-27; Jo 1,39).

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